24/04/2024

Justiça cancela cobrança milionária de IRPJ

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Uma empresa de tecnologia japonesa conseguiu anular no Judiciário um
auto de infração que cobrava R$ 207 milhões a mais de Imposto de Renda
(IRPJ) e CSLL sobre uma importação de produtos. A decisão é juíza Silvia
Figueiredo Marques, da 26ª Vara Cível Federal de São Paulo, que considerou
ilegal uma norma da Receita Federal sobre o chamado “preço de
transferência”.
As regras de preço de transferência são aplicadas para evitar que empresas
brasileiras usem suas vinculadas ou coligadas no exterior para sonegar impostos.
Para a magistrada, a Instrução Normativa (IN) nº 243/2002, que regulamentou
a Lei nº 9.430/96, “foi além dos limites”, “inovou no mundo jurídico” e violou
a Constituição Federal. A sentença é celebrada pelos contribuintes por conta da
jurisprudência dividida no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Enquanto a 1ª Turma deu razão às empresas (AREsp 511736), a 2ª Turma foi
a favor do Fisco (Resp 178614). Pela divergência, a controvérsia deve ser julgada
pela 1ª Seção, ainda sem data marcada. Segundo a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN), existem 265 processos sobre o tema, sendo 153
(quase 60% dos casos) no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
As ações começaram a chegar no Judiciário após a maioria das companhias ter
recorrido até a última instância do Conselho Administrativo Recursos Fiscais
(Carf), onde os julgamentos foram desfavoráveis. Apesar de poucos processos,
há casos em que as autuações da Receita às multinacionais chegam a R$ 1 bilhão
- com multa, juros e correções em uma só operação.
De acordo com tributaristas, a IN mudou os métodos de cálculo nas
importações e exportações por parte vinculadas, o que teria gerado aumento da
carga tributária. “A IN afronta o princípio da legalidade da Constituição, porque
criou tributo sem previsão legal”, afirma o advogado tributarista Gustavo
Taparelli, sócio do Abe Advogados, que atuou no caso da multinacional
japonesa.
Nesse processo, a operação discutida na Justiça foi uma importação de insumos
e matérias-primas em 2010. A montagem foi feita no Brasil, com a venda das
mercadorias finais. Em 2014, porém, a Receita identificou supostas ilegalidades
na aplicação do método de Preço de Revenda menos Lucro (PRL60). Segundo
o órgão, deveria ter sido usada a metodologia prevista na IN 243.
Por isso, multou a empresa sob o argumento de que ela reduziu indevidamente
a base tributável do IRPJ e CSLL. A suposta distorção fez com que a autoridade
fiscal aumentasse a base de cálculo em R$ 220 milhões, o que gerou um auto de
infração de R$ 149 milhões na época. Hoje, com as correções, o valor a ser pago
está em R$ 207 milhões.
Após a última decisão desfavorável no Carf em 2023, a empresa entrou com
uma ação anulatória de débito fiscal na Justiça federal de São Paulo. E,
recentemente, veio a sentença favorável. A juíza Silvia Figueiredo Marques
entendeu que a norma da Receita “desbordou da mera interpretação, na medida
em que criou novos conceitos e métricas a serem considerados no cálculo do
preço-parâmetro, não previstos, sequer de forma implícita, no texto legal então
vigente”.
A instrução normativa, acrescenta, “tendo extrapolado os limites permitidos
pela Constituição da República, já que inovou no mundo jurídico, deve ser
afastada”. Ela anulou os débitos tributários contra a companhia e ainda
condenou a União em honorários advocatícios e a pagar as despesas do
processo (nº 5027622-74.2023.4.03.6100).
Por meio de nota, a PGFN informa que vai recorrer. De acordo com o órgão,
“a metodologia de cálculo exposta na IN/SRF nº 243/2002 simplesmente
regulamenta o disposto no artigo 18 da Lei nº 9.430/1996, em estrita
conformidade à real intenção do legislador: evitar a transferência indireta de
lucros para o exterior nas operações praticadas entre partes vinculadas, através
do controle dos preços dos bens importados”.
Na nota, a PGFN reconhece que a matéria não está pacificada, mas destaca
decisões favoráveis à Fazenda Nacional (processos nº 5018845-
76.2018.4.03.6100 e nº 5003625-15.2017.4.03.6119).
Para o advogado Felipe Cerrutti Balsimelli, sócio do Pinheiro Neto Advogados,
a IN majora a base de cálculo do IRPJ e CSLL porque permite deduzir um
montante de custo menor em comparação à lei. A banca tem 20 ações sobre o
tema, com pelo menos três decisões favoráveis, inclusive sem necessidade de
depósito de garantia.
Apenas três turmas do TRF-3, de acordo com Balsimelli, julgam a matéria - a
3ª tem mais decisões desfavoráveis aos contribuintes; já a 4ª e 6ª, em maioria,
favoráveis. No STJ, ele entende que as empresas têm grandes chances de
levarem a tese, pela mudança na composição da 1ª Seção, composta pelos
ministros da 1ª e 2ª Turmas.
“Existe uma tendência pró-Fisco, porém, tivemos trocas de ministros na 2ª
Turma, então a matéria está aberta”, afirma. “Acreditamos que os contribuintes
têm chance considerável de ter uma definição favorável.”
Essa discussão jurídica foi encerrada em 2012, porque uma nova lei (nº 12.715)
sobre preço de transferência foi promulgada para internalizar as mudanças
feitas pela IN. “O governo federal coloca uma lupa dentro das operações para
evitar manipulação de preço. É o objetivo da legislação buscar um parâmetro
de preço para a mercadoria, para evitar a transferência de lucro para fora”,
afirma Taparelli.
No ano passado, a legislação foi modificada mais uma vez, por meio da Lei nº
14.596. Foram excluídos os métodos de cálculo que usam margens fixas e
adotado o princípio de “arm’s length”, usado por países que fazem parte da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para
evitar distorções nos preços de importação e exportação e desvio de lucro entre
países.